Desmame: um relato de gentileza e respeito

A amamentação, para mim, teve um início de muitas dificuldades – pega incorreta, fissuras e mais fissuras, baixo ganho de peso, translactação….

Superados esses desafios iniciais, o aleitamento materno se tornou uma delícia, intenso em vínculo, em afeto, em troca de olhares, em amor.

Com o passar do tempo, a amamentação acabou se tornando intensa em demanda e, considerando o meu contexto pessoal e familiar, optei por conduzir o desmame, cuidando para que fosse um processo bastante respeitoso e gentil.

Minha filha sempre foi muito apegada ao mamá. Era um momento bem especial pra ela (e pra mim!). Por isso ,fiz questão de não ter pressa no desmame, conduzindo-o de forma lenta e gradual.

O desmame noturno já havia ocorrido há um tempo, de forma natural. Por volta dos 11 meses de idade, o sono noturno dela tinha se estabilizado e ela já não acordava mais para mamar. Passado algum tempo nesse ritmo de dormir a noite toda, considerei o desmame noturno consolidado e, a partir daí, apenas precisei tomar o cuidado de manter. Se, por acaso, ela acordasse a noite, eu passei a ajudá-la a voltar a dormir ninando no colo, balançando, cantando. Se ela pedisse para mamar, eu oferecia água e falava frases como: “Agora é de noite, o mamá está dormindo, é hora de você também dormir…”.
Precisava ter alguns cuidados para que ela não procurasse o peito: usar pijamas mais fechados, que escondessem o peito; e não sentar com ela no colo ou deitar ao lado dela, pois eram posições em que ela mamava.

No início de 2020, antes da pandemia, minha filha frequentava creche em período semi-integral. Nessa rotina, ela mamava em torno de três vezes ao dia (uma vez ao acordar, uma vez ao chegar da creche e uma vez para dormir).

Quando a pandemia colocou todo mundo em casa, 24h juntos, virou o caos. Sentia que meu peito tinha virado um self-service. Ela estava com 1 ano e 9 meses e mamava por fome, sede, passatempo, necessidade de atenção…

Então, resolvi começar a agir quando senti que a livre demanda estava muito pesada para mim. Comecei a estudar sobre desmame, sobretudo em fontes que defendem o respeito à criança, e fiz um compilado de técnicas e estratégias de restrição da livre demanda e de desmame gentil.

Vou relatar as estratégias que usei, mas quero ressaltar que, entre uma estratégia e outra, embora sejam separadas por poucas linhas nesse texto, em nossa vida real foram semanas ou até meses de distância. Eu, particularmente, entendo que a gentileza no desmame está intimamente ligada à lentidão, a um processo gradual. Os hábitos são construídos com o tempo, nada mais justo que desconstruí-los também ao longo do tempo.

Primeiramente, usei uma estratégia básica: “não ofereça, não negue”. Essa estratégia consiste em não oferecer o mamá. Deixar que a criança peça, no momento que ela sentir necessidade. Se ela pedir, vá em frente e amamente sem hesitar.

Muitas vezes, na amamentação, somos nós, mães, que oferecemos o mamá, seja porque faz parte da rotina, seja porque é uma forma mais rápida de resolver a situação (sono, choro, fome…). Então, usar essa estratégia foi um ótimo primeiro passo, pois comecei a observar os momentos em que minha filha realmente precisava/queria mamar. Com isso, trabalhei também meu auto-controle. Assim, a amamentação deixou de ser automática e tive a oportunidade de formar novos hábitos na rotina com minha filha. Mesmo na hora de colocá-la para dormir, se ela não pedisse, eu procurava resistir à tentação de já recorrer ao mamá e tentava descobrir outras formas de ajudá-la a se acalmar e adormecer.

Algum tempo depois, comecei a verbalizar frases positivas sobre o desmame, como: “Você está crescendo e daqui a pouco não vai precisar mamar mais.” Sempre de forma leve, positiva e natural.

Após isso, o meu próximo passo foi delimitar o cantinho do mamá. Passei a amamentar somente num local específico da casa, no caso a minha cama. Bom seria se fosse um local que a gente não frequentasse obrigatoriamente, mas pra quem mora em apartamento pequeno, isso é difícil.

Então, sempre que pedia para mamar eu falava: “vamos lá pra cama da mamãe, onde a mamãe dá o mamá”. Aí, parávamos tudo que estávamos fazendo e íamos pra lá.

Ao mesmo tempo, quando ela pedia para mamar, eu comecei a oferecer minha companhia de formas alternativas, quando sentia que ela só queria um chamego. “Vamos brincar com a mamãe de tal coisa?” Comecei a fazer assim, para que ela fosse percebendo que podia ter minha atenção de outras formas, alem da amamentação. Se ela insistisse em mamar, íamos para a cama mamar. Ficamos nessa etapa um tempinho, até eu sentir que ela estava bem acostumada ao cantinho do mamá.

A partir daí, o próximo passo foi começar a restringir a livre demanda, e concentrar as mamadas em alguns horários (momentos da rotina). Mas só tive confiança de dar esse passo quando senti que ela tinha um maior entendimento sobre o que eu conversava com ela.

Então, quando ela me pedia pra mamar fora de hora, eu falava coisas como “a mamãe vai dar o mamá pra você mimir. Quer mimir agora?” E muitas vezes a resposta dela era “não”. E aí eu já seguia com alguma proposta interessante: “então vamos brincar assim? Ou vamos passear com o cachorro?”… e assim fomos, gradual e calmamente, reduzindo as mamadas e concentrando em 3 horários: ao acordar, para a soneca da tarde e para dormir a noite. Se ela insistisse em mamar fora desses horários e chorasse, tudo bem, íamos para o nosso cantinho mamar. No outro dia , recomeçava novamente. Paciência e persistência.

Também comecei a limitar as mamadas fora de casa. Se ela me pedia pra mamar, eu falava: “A Clara mama lá em casa, na cama da mamãe. Quer voltar pra casa pra mamar?” A maioria das vezes a resposta era “não”. Mas se ela quisesse muito, eu avaliava se era uma opção já voltar para casa. Se não fosse uma opção, eu tentava despistá-la oferecendo alguma outra coisa. Se não desse certo, tentava encontrar algum canto para amamentar que fosse um pouco parecido com nosso cantinho do mamá (um lugar mais recluso, como o quarto de alguém, se estivéssemos em alguma casa de parente ou amigos), e amamentava ali mesmo. Paciência e persistência.

Seguimos com essas estratégias até que chegamos ao ponto em que eram 3 mamadas ao dia e sempre no mesmo lugar.

Quando ela completou 2 anos dei mais um passo: tirar a mamada da manhã. Como funcionava antes: quando ela acordava meu esposo a buscava e levava para minha cama e ela mamava. Testamos ele pegar no berço e já levar pra tomar café da manhã, mas não deu certo, muito choro querendo mamãe. O que deu certo: eu ir até o quarto dela, tirar do berço e já chamar pra comer ou brincar. Pra não lembrá-la do costume de mamar, eu usava roupa mais fechada, e nem passava perto do meu quarto, pra ela nem ver a cama.

Pra ajudar também, selecionei alguns alimentos que ela estava curtindo muito e deixei como trunfo pra essas horas. Ex.: iogurte natural com morango ou outra fruta. Não dava em nenhum outro momento do dia. Só oferecia assim de manhã. A mesma ideia fiz com brincadeiras: as que ela mais gostava eu sugeria brincar nessa hora que acordava.
Se ela pedia pra mamar, eu me fazia um pouco de surda, tentava entreter com comida ou brincadeira. Mas se ela insistisse, ok, mamá e vida que segue. No outro dia recomeçava. Paciência e persistência.

Fomos assim, com calma por umas semanas até eliminar a mamada da manhã. O próximo passo foi tirar a da soneca a tarde. Nessa hora, ajudou o fato de eu estar levando para a casa dos avós com mais frequência na semana. Lá ela dormia balançando na rede com a vovó. E aí, eu passei a não mais oferecer o peito na hora da soneca, eu chamava pra balançar na rede comigo pra ouvir uma história e/ou uma música. Pra não lembrar do mamá, eu colocava um travesseiro entre nós duas, pra ela não sentir o meu peito. Nas primeiras vezes, depois da história, pediu pra mamar. Aí, fomos para o cantinho do mamá. Mas de repente começou a cochilar no colo balançando na rede no meio da história. E pouco a pouco fomos eliminando o mamá da soneca.

A partir daí, eu parei de levá-la para meu quarto, ela nem via o quarto, deixava a porta fechada…. tudo pra ela não lembrar do mamá.

E então, à noite, fui inserindo essas historinhas e musiquinhas, pra ela adormecer. Usava tudo que funcionava para a soneca do dia e ia testando também outras formas: as vezes balançando comigo na rede, as vezes no bercinho, as vezes na caminha que tinha no chão.

Aos poucos fomos eliminando as mamadas. Num dia dava certo, noutro dava errado, em dois dias dava certo, e no outro dava errado… e assim fomos… até que ela foi ficando um dia, dois dias, três dias, quatro dias sem mamar… e aí… acabou.

Acabou assim, aos 2 anos e 3 meses, tranquilamente, sem que ela chorasse ou sofresse. Todo o processo foi uma despedida suave de algo que foi tão maravilhoso em nossas vidas. E no dia que eu percebi que tinha de fato acabado, foi eu quem chorei.

Sandra Oliveira, mãe da Clara (4 anos) e da Melissa (5 meses)